Imagem: Ygo Maia
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Aracati,
cidade pequena, pertinho do mar. Um lugar tranquilo, onde todo mundo se
conhece. E é justamente por não existir a palavra “anonimato” no dicionário
aracatiense, que algumas pessoas já deixaram de fofocar por hobby e agora o fazem por profissão.
Nosso
primeiro destino é a Rua Coronel Alexanzito, mais conhecida como Rua Grande,
cenário de tantas histórias e lendas contadas por nossos avós e berço de
ilustríssimos cidadãos. É de lá que vem a musa de hoje: Maria de Fátima. Ela é “A fofoqueira da Rua Grande”.
Maria
de Fátima é uma empregada doméstica do tipo “braço direito” da patroa. Elas
dividem a intimidade e até sentam juntas na calçada no fim da tarde. Como fiel
moradora da Rua Grande, não pode deixar de exercer sua segunda profissão: fazer
o marketing dos boatos após um cansativo dia de faxina.
E
põe cansativo nisso. A casa em que ela trabalha é tão grande, que chegar ao
banheiro é cruel e decisivo na hora do aperto. Tem que correr igual à pobre em
loja de R$1,99.
É
incrível a sua capacidade de captar informações. Seu fofocômetro é ativado 24
horas por dia para depois agir como um facebook:
só compartilhando. O pior de tudo é o que antecede os seus relatos, o tal do
“ouvi dizer”.
A
patroa atende pelo nome de Carmem e tem um filho de 15 anos chamado Vinícius. O
marido dela já foi para a terra dos pés juntos e ela vive da pensão do
falecido.
Numa
tarde de sexta-feira, calma, com o sol rachando os miolos do povo aracatiense,
Carmem tirava o seu tradicional cochilo vespertino enquanto Vinícius estava em
seu quarto com o amigo Jonas, e Maria de Fátima varria o imenso corredor.
No
quarto, Vinícius e Jonas conversavam:
— Preciso contar
pra Alice tudo o que sinto por ela – dizia Vinícius, aflito.
— Concordo. Você
já guardou esse sentimento por muito tempo – apoiava Jonas. — E se ela
estivesse aqui agora, o que você falaria pra ela?
O
sensor de Maria de Fátima começou a apitar e ela resolveu colar o seu ouvido na
porta justamente quando Vinícius ensaiava na frente do espelho o que diria para
Alice.
— Eu sou
completamente apaixonado por você. É em você que eu penso quando acordo até a
hora de dormir...
Maria
de Fátima escutava aquilo com muita atenção.
— Que babado
forte! – exclamava ela.
Com
as mãos apoiadas nos joelhos, largou a vassoura para se concentrar melhor e
ouvir o restante da conversa.
— Maria! Maria!
– gritava Carmem.
— Que merda! A dona
Carmem tinha que precisar de mim logo agora?!
Enquanto
isso, dentro do quarto...
— E aí, o que
você achou? – perguntou Vinícius ao amigo.
— Muito brega.
Você anda assistindo muito filme. Acho que você tem que chegar e dar um beijo
nela logo de uma vez. Vai por mim.
Depois
que Jonas foi embora, Maria de Fátima resolveu passar adiante tudo o que havia
escutado. Ou melhor, quase tudo. Pendurada ao telefone, ela contava:
— Menina, eu
tenho um babado quente pra te contar... Eu flagrei o filho da dona Carmem se
declarando pro amigo dele, aquele tal de Jonas... Uma pena! O Vinícius é tão
bem apessoado. Nunca pensei que ele fosse uma bichona enrustida... Tão jovem,
agora que fez 15 anos. Se o pai dele fosse vivo ia morrer de desgosto... Agora
eu tenho que desligar, vou sentar na calçada com a dona Carmem... Até mais,
querida.
E
as duas foram sentar na calçada. Acompanhavam todos os movimentos da vida
alheia. Ninguém escapava daquela dupla.
— Olhe ali,
Maria. Aquela não é a filha da comadre Lúcia com o gerente da loja do Seu
Carlos?
— É ela sim,
dona Carmem. Ouvi dizer que ela trocou a faculdade de Pedagogia pela de Direito,
só pra mostrar que pode pagar. Encontrei uma conhecida dela no supermercado que
disse que até pastel ela começou a vender pra pagar a faculdade. E ainda posa
de mulher fina por aí. Pra mim, ela namora esse gerente só por interesse.
Ficaram
as duas ali até o anoitecer. Quando cansaram a língua, resolveram entrar. O mesmo
aconteceu no sábado e no domingo. Até que na segunda-feira...
Vinícius
chegou do colégio soltando fogo pelo nariz e foi conversar com a mãe. A cidade
inteira andava comentando que Jonas e ele tinham um caso. O boato chegou aos
ouvidos de Alice e ela o dispensou na hora. Maria de Fátima, toda desconfiada
ali do lado, tentava entrar no assunto:
— As más línguas
dessa cidade não perdoam mesmo. – dizia ela, dissimulada. — Mas eu confesso que
até pensei que isso fosse verdade depois que ouvi você se declarando pro Jonas
na sexta à tarde.
— Como é que é?
– disseram Carmem e Vinícius numa só voz.
— Não tive a
intenção de causar esse tumulto. Eu só passei o babado adiante. – defendia-se.
Foi
assim que descobriram a raiz do problema. Em cidade pequena, fogo de fofoca só
apaga quando outra bomba explode. A fama de Vinícius durou menos que o sucesso
da “Dança do Quadrado”. No fim das contas, Vinícius e Alice começaram a
namorar. E Maria de Fátima, aposentou sua língua venenosa? Que nada! Ela já
estava pronta para a próxima.
E
fica a dica: cuidado com o que você fala. Pode ter uma Maria de Fátima atrás da
porta, se coçando para fazer uma fofoca.
kkkk muito criativo, e o fofocômetro, hahaha
ResponderExcluirAdoreiii!! Rir horrores!! :D
ResponderExcluirQue bom que vocês gostaram!!
ExcluirVoltem sempre!!!
Adorei este episódio...e é exatamente assim em cidadezinha pequena como a minha...todo mundo quer saber da vida de todo mundo com se fosse um direito!!!KKKKKKK
ResponderExcluirFico feliz que tenha se identificado. Acho que o episódio retrata a realidade de várias cidades do país.
ExcluirMergulhe sempre! Beijos!