Foto: Michelly Maia |
Exausto, o sol
vai terminando o seu passeio pelo céu, após um longo dia de trabalho. Ele
caminha por cima dos casarões e declina lentamente, procurando o aconchego do
Rio Jaguaribe. Aos poucos, os riscos alaranjados se unem ao azul celeste,
compondo a ciranda do fim da tarde.
Os bons ventos
anunciam a chegada da noite. Eu vejo duas senhoras: uma aparenta ter uns 60
anos de experiência em sentar na calçada; já a outra, ainda mais experiente,
parece ter atingido essa marca há pelo menos duas décadas.
Elas se sentam
devagar, quase sincronizadas, nas suas cadeiras de balanço. E é nesse embalo
que começam a conversar. Na outra direção, eu avisto mais duas senhoras
repetindo o ritual. Agora são duas duplas que não percebem a presença uma da
outra, por causa da característica peculiar da rua. Ah, esta rua torta!
Foto: Ygo Prudêncio |
Da minha posição
privilegiada, posso ver também duas mulheres sentadas no banco da Praça da
Independência do Brasil. Elas têm a mesma idade: 56 anos. Franci e Eridan, as
duas Marias. Gesticulam, riem, relembram as aventuras do passado. O brilho nos
olhos demonstra um sentimento de nostalgia. Ah, que papo gostoso! Até sinto
vontade de me juntar a elas. Aquele “dedinho de prosa” se destaca na rua.
Hoje, os
vizinhos se tratam como estranhos. Ora andam de cabeça baixa, ora com a cabeça
nas nuvens. Conversas ao pé do ouvido viraram artigos de luxo. Perderam o
hábito de olhar nos olhos. Se veem, mas não se enxergam. Franci comenta:
— Eu me lembro de que nós éramos
muito mais vizinhos. A população se falava mais. Com a tecnologia, as pessoas
se falam muito pelo computador, mas a conversa face a face ficou comprometida –
a outra concorda, com um tímido aceno de cabeça.
Agora, as Marias
se levantam e caminham um pouco, tentando reviver as travessuras da infância,
quando escalavam o monumento histórico que fica no meio da praça. Será que vão
tentar subir de novo? Elas riem e desistem, voltando ao banco em que estavam.
Não se sentem mais tão livres como antes.
Foto: Ygo Prudêncio |
É irônico ver
que a rua tinha apenas uma cadeia e que agora tem centenas. Vejo poucos
moradores na rua. Em compensação, vejo casas que viraram celas. Pessoas que
vigiam pelas janelas, como ratos nas gavetas.
A liberdade dos
moradores se restringe ao tempo em que ficam nas calçadas. Parecem presos que
ganham o direito de visitar a família nas festas de fim de ano e depois voltam
para a cadeia.
Lá no início da
rua, outra “rodinha de conversa” se desfaz. Vão todos se entregar às algemas da
TV e da internet. “Voltem! Ainda é cedo. Fiquem mais um pouco!”. Ninguém me
ouviu. Já se renderam.
É melhor eu ir
embora também. A rua está deserta. Daqui do alto do casarão, não vejo mais as
crianças correndo, nem os casais apaixonados sendo engolidos pelo beco do
museu. Vou bater minhas asas e me juntar às outras corujas. Boa noite!
Oi Ygo,
ResponderExcluiradorei teu blog, estava atrás de uma resenha na internet e encontrei teu blog, deu vontade de ler muitos livros dos que tu escreveu.
Também tenho um blog de resenhas, onde não posto com tanta frequencia, se quiser me visitar fique a vontade: http://www.portiprati.com/
Abraços, e continue com esse sucesso. Você escreve bem demais.
Olá, Tati.
ExcluirÉ muito gratificante receber esse tipo de comentário. Volte sempre que quiser, o mergulho é livre.
Beijos!
Lindíssimo texto! Sério, li mais de uma vez para apreciar melhor a beleza e verdade das palavras. As vezes sinto falta do som de gargalhada de crianças na rua, e nem sou tão velha assim. 19 anos e tenho noção de que o mundo e as relações sociais mudaram mais nesses ultimos 5 anos do que nos ultimos séculos...
ResponderExcluirParabéns, Ygo!
Faz tempo que não entro aqui, mais pelo cansaço a vida do que por outra coisa, e me arrependo. Saiu muita coisa legal enquanto eu estava fora, haha
Boa semana pra ti ;)
Abraços
Olá, Arine-san.
ExcluirRealmente, fazia tempo que eu não lhe via por aqui. Que bom que retornou e apreciou o texto. Ele foi feito em dupla com a Michelly Maia, minha colega da faculdade.
Beijos! Volte mais vezes...