sábado, 2 de fevereiro de 2013

A sorte é cega

Imagem: Ygo Maia
Xetelba é a empregada
Dessa família de azar.
Vou pular as formalidades
Porque ela vai se apresentar:

– Não vivo rezando na igreja
Mas creio em Deus Pai.
Vou ganhar meu salário
Que me prometem, mas nunca sai.

Essa casa se percebe
Que não é de grande porte.
E ajudaria bastante
Se o meu patrão tivesse sorte.

No meio de tanta desgraça,
Algo aqui me seduz.
Embora nos falte água,
Embora nos falte luz.

Mas alegria e bom humor
Aqui não podem faltar.
E isso que estou dizendo,
Tenho como provar...

Dona Carmem aparece
Contrariando a empregada.
Acordou cuspindo fogo,
Com TPM e estressada:

 Nem venha dizer “Bom Dia”.
De bom aqui não tem nada.
Meus cabelos estão horríveis
E minha unha mal pintada.

Um ladrão aqui em casa
Nunca ousaria entrar.
A miséria é tão grande
Que nem teria o que levar.

Minha mãe sempre me disse
Pra casar com um milionário.
Um médico, um juiz...
Ou até um empresário.

Mas eu sempre disse a ela
Que a gente casa com quem GOSTA.
Meu Bastião só ganha um salário
Pra trabalhar limpando... banheiro.

Xetelba consola a patroa
Dizendo que tudo vai mudar
E que essa sorte tão cega
Um dia vai enxergar:

 Pare de ser pessimista.
É pecado reclamar tanto assim.
Hoje o patrão recebe o salário
E talvez sobre até algo pra mim.

Bastião chega correndo
Revoltado com todo mundo
Só conseguiu abrir a boca
Quando respirou bem fundo:

 Vocês não vão acreditar...
Mas acabei de ser assaltado.
Hoje mais uma vez
Não vai ter comida no prato.

Lembrem-se dessa história
Toda vez que o calo apertar.
Porque tudo que está ruim
Sempre dá pra piorar.