Há muito tempo, vi uma publicação no Facebook que dizia mais ou menos assim: “um dia, você e seus amigos saíram para brincar pela última vez, e nenhum de vocês percebeu”. Refleti sobre isso semanas atrás e me dei conta de que um dia joguei vôlei com meus companheiros no Instituto São José sem saber que era a última vez.
Sigam em frente e conheçam o restante dessa história!
Noite de segunda-feira, 31 de outubro de 2011. Nosso professor estava bastante debilitado por causa de uma hérnia de disco, mas como já havia faltado algumas vezes, foi no sacrifício para não perdermos mais um treino. Passou o tempo todo sentado.
Alguns dos meninos ajustaram a altura da rede, depois aquecemos e fizemos um coletivo. Fiquei no chamado time 1 (o “titular”), o que não fazia mais sentido. Afinal, o calendário não incluía nenhuma competição até dezembro e eu vivia meus últimos momentos no colégio. O mais coerente e inteligente seria iniciar a preparação da base da equipe para 2012. No entanto, atendendo a um pedido meu, o professor abriu mão desse planejamento natural.
Três semanas antes, também numa segunda-feira, o último terço do treino foi reservado para ajustar o time que competiria nos Jogos Escolares Aracatienses (JEA) no fim de semana seguinte. A categoria? Um inédito sub-16. Eu, já com 17 anos, ficaria de fora após ter contribuído para o título do sub-18 no dia anterior. Era um sentimento de dever cumprido, até a realidade bater na minha cara.
Fui deslocado para o time 2 (o “reserva”) para ajudar no treinamento dos meus companheiros. Quando passei para o outro lado da rede, olhei para todos eles e senti meu coração apertado. Um nó na garganta. Engoli seco e resolvi ceder minha vaga para um colega que estava no banco.
Sem pedir autorização, saí apressado rumo ao bebedouro. Tomei um pouco de água, respirei fundo, tomei mais água, respirei fundo de novo. Na volta, caminhei mantendo o olhar fixo no chão e me sentei no banco já com uma das mãos na testa. Formei uma espécie de viseira para não ver o que acontecia em quadra.
Minhas amigas do basquete chegaram para treinar na sequência e me encontraram naquela posição, em silêncio, pensativo. “O que foi, Ygo-Amigo? Tá se sentindo mal?”, perguntou uma delas. Apenas balancei a cabeça negativamente. “Mulher, ele tá assim desde que eu cheguei”, explicou ela para outra que se aproximou perguntando as mesmas coisas.
As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto. As meninas me abraçaram para me consolar, mesmo não entendendo nada. Chorei. Chorei muito, como tantas vezes durante aquele semestre. Quanto mais palavras de acolhimento eu recebia, mais eu perdia o controle. Já estava quase gritando.
Ouvi o professor encerrar o treino e pedir que todos se dirigissem à arquibancada para ele dar uns avisos sobre o JEA. Alguns dos meus companheiros se aproximaram ao me verem naquele estado e me abraçaram também. Fui praticamente carregado para fora da quadra.
Na rápida conversa pós-treino, o time foi informado sobre os horários dos jogos e liberado em seguida. Mas eu permaneci ali, ainda tentando me recompor. O professor se sentou ao meu lado para entender o que estava acontecendo. “Foi alguma coisa que eu fiz?”, questionou preocupado. Entre soluços, murmurei que não e abri o coração para explicar o motivo do meu choro.
Ver os meninos do outro lado da rede, como adversários, me despedaçou. A ficha caiu. O futuro do vôlei do ISJ se apresentou diante de mim, e eu não faria parte dele. Não conseguiria jogar contra meus amigos, por mais que fosse só um coletivo preparatório para uma competição. Na minha cabeça, seria como dar as costas para a história que ajudei a construir.
O professor me pediu desculpas pela sua suposta “falta de sensibilidade” para perceber que aquilo me afetaria. Respondi que estava tudo bem, pois ele não poderia adivinhar. Nem eu mesmo esperava ter aquela reação. Ninguém tinha culpa. Apenas comuniquei que faltaria os demais treinos da semana para não precisar lidar novamente com tamanho incômodo. Sentindo-se culpado, ele me prometeu que a situação não se repetiria e falou que, se eu quisesse, o próximo treino seria como antes.
Agradeci o gesto, mas recusei. Eu sabia da importância do coletivo para a equipe ganhar corpo com uma formação sem mim. Não me sentiria bem se fosse responsável de alguma maneira pela falta de entrosamento entre os meninos e meu substituto no campeonato. Assim, combinamos de seguir com a escalação “tradicional” somente no meu retorno após os compromissos do sub-16.
Foram pouquíssimos encontros na segunda quinzena de outubro. O derradeiro, sem ninguém desconfiar, foi o do dia 31. Discreto. Comum. Sem emoção. Sem despedidas. Esse fato me fez lembrar de uma fala da ex-jogadora Jackie Silva num episódio de uma série documental em que ela recorda o ouro olímpico no vôlei de praia conquistado ao lado de Sandra Pires em Atlanta-1996.
Ao ser questionada sobre o último ponto, ela revela que sentiu certa frustração porque não houve “glamour”. Não foi um ataque espetacular nem um bloqueio acachapante. Foi simplesmente uma infração da dupla adversária, também brasileira. A craque até brinca dizendo que pensou em pedir ao árbitro que voltasse o saque para disputar o match point outra vez.
Claro que as duas situações são bem diferentes, mas eu entendi exatamente aquele sentimento. Meu último treino passou muito longe do que imaginei para o fim de um longo ciclo no ISJ. O mais irônico é que, do seu jeito, acabou sendo marcante também.
Essa história não está no meu livro de estreia, Primeiros erros. Porém, decidi compartilhá-la porque ela ajuda a entender o impacto dos acontecimentos que originaram esse projeto tão especial.
Comentem aqui alguma história sobre algo que vocês fizeram pela última vez há muito tempo.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
AGORA QUE VOCÊ JÁ MERGULHOU NA LEITURA, DEIXE O SEU COMENTÁRIO. ELE É MUITO IMPORTANTE PARA O CRESCIMENTO DO BLOG. OBRIGADO!!!
Obs.: comentários ofensivos serão deletados.